Seleção e especificação de materiais e sistemas construtivos mais sustentáveis: estratégia metodológica coordenada e diretrizes para projetistas.

Resumo: A preocupação com a eficiência do uso de recursos naturais ganhou destaque com a reunião do chamado Clube de Roma, em 1972 (MEADOWS et al, 1972). O conceito de ecologia industrial surgiu na década de 80 (FROSCH; GALLOPOULOS; 1989) e, no início da década de 90, os conceitos de eco-eficiência (SCHMIDHEINY, 1992; WBCSD, 2000) e o Natural Step (TNS). Um dos marcos mais relevantes foi publicado alguns anos depois, sob o título de capitalismo natural (Lovins, Lovins, Hawken, 1995).
Como média em países desenvolvidos, a indústria da construção corresponde a 8% do PIB, chegando a cerca de14% em países em desenvolvimento e consome anualmente, em nível mundial, 40% de matéria-prima (e 75% dos recursos naturais, muitos deles não renováveis), 66% de madeira, 40% de energia e cerca de 16% do volume de água (DIMSON, 1996; LIPPIATT; NORRIS, 1998; IWATA et al., 2000; JOHN, 2000; LIPPIATT; NORRIS, 2003). O volume de recursos naturais utilizados pela construção civil corresponde a, pelo menos, um terço do total consumido anualmente por todos os segmentos da sociedade (SJÖSTROM, 1992; JOHN, 2000). Este mesmo gigantismo abre espaço igualmente enorme para oportunidades de melhoria e estima-se um mercado para tecnologias ambientais de U$906 bilhões em 2010 (DIT, 2006).
Em 1998, Weizsäcker e outros afirmaram ser possível aumentar a eficiência no uso de recursos por um Fator 4. Em 2003, o Wuppertal Institute já acenava como sendo necessária uma redução em um Fator 10 (SCHMIDT-BLEEK, 2003).
Em paralelo, a Sociedade de Toxicologia e Química Ambiental (SETAC, 1991) desenvolvia a análise do ciclo de vida (life-cycle analysis, LCA), que investiga o impacto de um produto em cada etapa de seu ciclo de vida, desde seu desenvolvimento preliminar até a obsolescência, na abordagem conhecida como berço ao túmulo ou cradle-to-grave.
Kibert (2000) propôs a chamada ecologia da construção, cujo objetivo é implementar um sistema de materiais em ciclo fechado (closed-loop), dependente de recursos renováveis e que busque a preservação e integração com sistemas naturais em todos os aspectos do processo de construção.
Em 2002, McDonough e Braungart lançaram a abordagem berço-a-berço (cradle-to-cradle), que, de um lado, expande o horizonte da LCA e, de outro, é completamente com base no fechamento do ciclo dos materiais e eliminação do conceito de resíduo.
O setor da construção civil brasileiro é responsável por grandes contribuições econômicas e sociais, por meio da produção de bens e serviços, com participação superior a 14,5% no PIB (JOHN, 2000). O transporte e o uso de materiais, produtos e componentes de construção contribuem significativamente para poluição do ambiente dentro e fora de edifícios (KIBERT, 2000; JOHN; AGOPYAN, s.d.).
No Brasil, são produzidas, aproximadamente, 35 milhões de toneladas de cimento Portland por ano. Ao considerar-se que este material seja misturado com agregados a um traço médio de 1:6, em massa, pode-se estimar um consumo anual de 210 milhões de toneladas de matérias-primas, somente para a produção de concretos e argamassas, nos quais não estão consideradas as perdas e os volumes de agregados usados em pavimentação (JOHN, 1999; JOHN, 2000).
Como outro impacto ambiental, a massa de resíduos gerados de construção e demolição é igual ou superior à massa de lixo urbano, com valores muito variáveis entre países, geralmente em torno de 400 kg/hab.ano (JOHN, 2000), inclusive para países como o Brasil (PINTO, 1999).
Em 1998, o Organization for Economic Cooperation and Development (OECD) desenvolveu iniciativas para diminuir os impactos oriundos das edificações; seja na construção, por meio da utilização de materiais reciclados, assim como na demolição, pela minimização da geração e disposição final de resíduos (HASEGAWA, 2002). Posteriormente, em 1999, foi publicada pelo International Council for Research and Innovation in Building and Construction (CIB) uma agenda específica para o setor da construção civil, a Agenda 21 on Sustainable Construction, direcionada à implantação das diretrizes fundamentais para o desenvolvimento sustentável.
Preocupações éticas são a base do conceito de sustentabilidade, que visa a distribuição justa de recursos, de maneira a satisfazer adequadamente necessidades de toda a população, resguardando e restaurando estoques para as futuras gerações. No ritmo atual - e projetado - de crescimento exponencial da população, em algum ponto a demanda por recursos não renováveis superará a sua disponibilidade (SUZUKI; MCCONNELL, 1997). Este crescimento ocorrerá, em sua maior parte, em países em desenvolvimento.
O conceito das três dimensões da sustentabilidade, contemplando a viabilidade econômica, a responsabilidade ambiental e a justiça social só surgiria no final da década de 90, seguido das aplicações em projeto para o ambiente (DfE) (GRAEDEL, ALLENBY, 1998) e em projeto para desmontagem (DfD) (LARSON, s.d.).
A análise desta evolução de pensamento torna claro que a questão de uso sustentável de recursos no ambiente construído vai além da esfera de materiais. Na verdade, em vez de selecionar materiais, deve-se pensar em selecionar sistemas, considerando sua vida útil e destinação pós-vida, segundo uma perspectiva de análise de custos igualmente com base no ciclo de vida.
Com a instituição dos mercados verdes e o conseqüente desenvolvimento da série de normas ISO 14.000, os enfoques passaram a ser direcionados sob uma visão holística dos ciclos de vida, atendo-se fundamentalmente nos processos industriais de produção e na perspectiva dos materiais. Como resultado, esse processo implicou na fomentação e no desenvolvimento de análises de desempenho ambiental, avaliando-se questões relacionadas ao consumo de energia, matéria-prima, geração e disposição de resíduos sólidos.
Para estabelecer as prioridades industriais para a realidade do Brasil, a partir da publicação da Agenda 21 do CIB, John e outros (2001) propõem uma agenda específica para a indústria da construção civil, focando a qualidade ambiental de edifícios e dos produtos de construção; a redução do consumo de recursos naturais não renováveis e de água; a especificação de materiais reciclados e recicláveis; a especificação de materiais de menor toxidade; a redução do desperdício e da geração de resíduos de construção e de demolição; a utilização de recursos locais; a especificação de materiais de maior durabilidade e vida útil; o planejamento da manutenção; a melhoria da qualidade da construção e o gerenciamento organizacional dos processos, contemplando, também, aspectos sociais relacionados ao déficit habitacional, de infra-estrutura e de serviços sanitários.
A interseção entre sustentabilidade e o uso de materiais deve focar a toxicidade e a gestão de recursos (SPIEGEL; MEADOWS, 2006). A questão da toxicidade está relacionada com o impacto das escolhas nos recursos naturais e na saúde relativa do ambiente e do ser humano. A questão de gestão de recursos deve abraçar o impacto na qualidade e no ciclo de um determinado recurso, e terá implicações no desempenho do material, incluindo durabilidade, eficiência energética, quantidade de resíduo gerado, e potencial para reuso e reciclagem (SPIEGEL; MEADOWS, 2006).
Assim, aspectos relacionados com a toxicidade, com gestão de recursos, com o desempenho em serviço, com indicadores sociais e econômicos, constituem uma base valiosa para avaliar materiais de construção em termos de sustentabilidade.
O uso inteligente de recursos naturais indica caminhos específicos quanto à minimização, origem e renovabilidade dos recursos utilizados. As abordagens por atributos ambientais de produtos são derivadas desta percepção comum e diretrizes básicas de projeto para o ambiente: eficiência, fechamento de ciclos de materiais e consideração da toxicidade potencial (SILVA, 2007).
A análise dos sistemas de avaliação/certificação ambiental existentes revela que há raras ferramentas que avaliam desempenho ambiental objetivamente por meio de LCA, predominando o reconhecimento de atributos de produtos (SILVA, 2007), e que os créditos/pontos referentes a materiais de construção nos sistemas disponíveis são particularmente fracos e muito controversos (TRUSTY; HORST, 2002). Os diretórios estrangeiros de produtos “verdes” como o Green Building Digest, BRE ENVest e BRE Environmental Profile; Environmental Choice, GreenSpec®; e o Environmental Preference Method, também tomam atributos ambientais como base.
O problema da abordagem por atributos isolados é que se perde a noção global do impacto, quando, na verdade, estes atributos estão freqüentemente em conflito e interferem um no outro. Trabalhar com atributos cria o risco de se confundir fim e meios e transformar a seleção de atributos de materiais em objetivo, em detrimento de desempenho ambiental propriamente (TRUSTY; HORST, 2002; SILVA, 2007).
Por ser holística, sistêmica e rigorosa, a análise do ciclo de vida (LCA), desenvolvida pela Society of Environmental Toxicology and Chemistry (SETAC) e, posteriormente, normatizada pela International Standardization Organization (ISO), constitui a metodologia preferida internacionalmente para investigar sistematicamente os impactos de um produto, processo ou sistema em cada etapa de seu ciclo de vida - desde a retirada das matérias-primas elementares da natureza, à disposição final, incluindo as etapas de produção, transporte, distribuição, uso, reuso, manutenção e reciclagem - quantificando e qualificando os recursos materiais e energéticos utilizados, assim como as emissões geradas nas diferentes etapas produtivas.
Especificamente na construção civil, o conceito de análise do ciclo de vida tem sido aplicado - direta ou indiretamente – em avaliação de materiais de construção; rotulagem ambiental de produtos; ferramentas computacionais de suporte a decisão e auxílio ao projeto, especializadas no uso de LCA; instrumentos de informação aos projetistas; e esquemas de avaliação/certificação ambiental de edifícios (SILVA; SILVA, 2000; SILVA, 2003).
Idealmente, o projetista simplesmente acessaria uma base de dados, formatada para materiais ou já para componentes de construção, e poderia rapidamente eleger dentre alternativas com impacto ambiental precisamente definido, aquela capaz de atender a suas demais expectativas de desempenho ao menor impacto possível. Esta ferramenta ideal, no entanto - assim como as bases de dados necessárias - ainda não existe e a condução de LCA segue sendo relativamente cara, intensiva em trabalho, e amplamente dependente de dados de fabricação nem sempre disponíveis. Não se pode simplesmente transplantar bases de dados de um contexto para outro diferente.
A LCA também é uma importante ferramenta de suporte à avaliação dos efeitos ambientais relacionados às especificações e substituições de materiais e componentes ao longo do ciclo de vida, priorizando possibilidades de melhorias durante as fases produtivas, minimização de perdas e a concepção de produtos de maior durabilidade e desempenho ambiental, fomentando a competitividade econômica do mercado.
Os objetivos principais deste projeto de pesquisa são (i) o desenvolvimento diretrizes para seleção/especificação de materiais e sistemas construtivos mais ecoeficientes para três tipologias de projeto (habitação, edificação escolar e laboratório demonstração) e para retrofits comerciais; (ii) a seleção de tecnologias, em termos de materiais e sistemas construtivos, aplicáveis às três tipologias de estudo e construção de mapa tecnológico, com identificação de eventuais oportunidades de pesquisa, desenvolvimento, inovação e transferência de tecnologia (patentes) e (iii) o levantamento e/ou a proposição de indicadores relacionados com materiais e sistemas construtivos aplicáveis a cada tipologia estudada, devidamente validados, e a consolidação de valores de referência (benchmarks), com base nas medições realizadas nos pilotos demonstrativos (Laboratório e retrofit).

Data de início: 16/07/2010
Prazo (meses): 24

Participantes:

Papel Nomeordem decrescente
Pesquisador FLÁVIA RUSCHI MENDES DE OLIVEIRA
Coordenador MARISTELA GOMES DA SILVA
Transparência Pública
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